O coma induzido do SPED
Nesta sociedade em
plena migração da era industrial para a do conhecimento, estamos todos
interconectados, somos causa e consequência de interações, agora em tempo real,
digitalmente e de forma intangível
Roberto Dias Duarte
Mesmo que um novo
adiamento na entrada em vigor da EFD-Contribuições para as cerca de 1,5 milhão
de empresas do Lucro Presumido ainda se concretize, uma ou mais vezes,
certamente terá efeito equivalente ao de um leve analgésico ministrado a
paciente em estado muito grave.
Na verdade, são 70 mil
organizações contábeis e seus milhões de clientes padecendo de uma doença
crônica: a dificuldade para finalmente entrar no Terceiro Milênio também sob o
ponto de vista tributário, a exemplo do que já ocorre em todo o planeta no
tocante às transformações sociais, ambientais, econômicas e tecnológicas.
Nesta sociedade em
plena migração da era industrial para a do conhecimento, estamos todos
interconectados, somos causa e consequência de interações, agora em tempo real,
digitalmente e de forma intangível.
Filmes fotográficos,
por exemplo, passaram a ser utilizados apenas por amantes da arte e
saudosistas, já que a população em geral assimilou de forma quase absoluta a
velocidade das imagens digitais, compartilhadas instantaneamente com o resto do
planeta.
O Sistema Público de
Escrituração Digital é uma iniciativa análoga. Documentos fiscais e livros
contábeis, antes armazenados no "arquivo morto", bem enterrado em
alguma catacumba, agora se transmitem instantaneamente à "nuvem
digital" das autoridades tributárias.
Assim, o SPED atua
positivamente de duas maneiras. Na primeira delas, ao acelerar a transição da
sociedade analógica para a digital, onde valores como o conhecimento e a ética
sobressaem sobre o capitalismo industrial clássico. Neste novo mundo, ideias
colocadas em ação valem mais que terra, máquinas e bens físicos.
O segundo grande
benefício dessa nova ordem é potencializar o combate à economia invisível, que
segundo estudo recente da Fundação Getúlio Vargas, passa dos R$ 660 bi anuais,
disseminando corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico, contrabando, crime
organizado e outras mazelas.
Ao manter informações
financeiras, contábeis, comerciais, tributárias e operacionais das empresas em
um gigantesco banco de dados, as autoridades fiscais elevam significativamente
a percepção de risco dos contribuintes, reduzindo assim a diferença entre a
arrecadação real e a potencial.
Para as empresas que já
compreenderam os paradigmas digitais, a NF-e, a Escrituração Contábil Digital e
a Escrituração Fiscal Digital tornaram-se aliadas no processo empreendedor de
redução de custos e riscos.
No entanto, aquelas
cujos líderes ainda se mantêm arraigados aos conceitos do século XX, encaram o
SPED somente como um aumento de custo e "dor de cabeça". Estes
últimos normalmente não se envolvem no assunto e "delegam" as
responsabilidades desta grande transformação empresarial aos contabilistas ou
profissionais de tecnologia da informação. Mal sabem o tamanho da oportunidade
que estão perdendo.
Independentemente disso
tudo, a norma que instituiu a EFD-Contribuições foi alterada seis vezes em 24
meses, são reguladas por 75 leis ordinárias e complementares, além de centenas
de decretos, portarias, instruções normativas, atos declaratórios, soluções de
consulta e de divergência.
Boa parte de todo esse
arcabouço normativo é confuso, complexo e contraditório, com diversas decisões
administrativas e judiciais incompatíveis.
Portanto, sem software
de gestão (ERP) e pessoal capacitado, as micro e pequenas empresas, juntamente
com seus contadores, falharão nesta empreitada, seja ela guindada à condição de
obrigatória amanhã ou daqui a um ano.
A realidade nua e crua
é que menos de 300 mil empresas brasileiras (incluindo a grandes corporações)
já implantaram algum tipo de ERP. A maioria das que entrarão na obrigatoriedade
da EFD-Contribuições sequer sabe o que é isto.
Uma medida racional,
sem dúvida, seria estabelecer um cronograma distribuído pelos próximos quatro
anos, incluindo em oito etapas semestrais as empresas conforme seu faturamento.
Isto seria suficiente para empreendedores e organizações contábeis descobrirem
um "modelo de gestão de terceiro milênio".
Medidas paliativas como
adiamentos, não resolvem o principal problema: o período de adaptação no
relacionamento empresa/organização contábil, que deve ser gradual, porém
consistente.
Assim, o SPED, que
nasceu saudável, inegavelmente adoeceu, pode entrar em coma induzido pela RFB e
corre sério risco de morte. Não é a primeira vez, infelizmente, que a
insensatez da pressa pode matar prematuramente um belo projeto em nosso país.
Fonte:
Administradores.com.br
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