Na briga da essência contra
a forma, prevalece o 'medo'
Por Fernando
Torres | De São Paulo
Se mudar o
hábito de uma única pessoa já é uma tarefa difícil, que dirá a cultura de um
país. Quase cinco anos após a edição da Lei 11.638, que marcou o início do
processo de migração do padrão contábil brasileiro para o modelo internacional
IFRS, ainda se nota entre os agentes locais uma grande dificuldade para que a
essência prevaleça sobre a forma nas divulgações de balanços de empresas.
"Ainda
não houve a absorção da prática da essência sobre a forma. Prevalece o 'pacto
do medo'", sintetizou Marcus Severini, diretor de controladoria da Vale,
que participou ontem, em São Paulo, do 2º Encontro de Contabilidade de
Auditoria para Companhias Abertas e Sociedades de Grande Porte, organizado pela
Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e pelo Instituto dos
Auditores Independentes do Brasil (Ibracon).
O
diagnóstico é que as empresas acabam cedendo ao que dizem ser pressão dos
auditores para aumentar o número de notas explicativas nos balanços, que
estariam previstas nas regras. Esses, por sua vez, acabam exigindo mais do que
talvez fosse o necessário, com receio de receber alguma reprimenda do órgão
regulador.
O resultado
é que os balanços estão maiores do que o desejado pelas empresas, e sem
necessariamente trazer mais informações úteis aos usuários.
José Carlos
Bezerra, superintendente de normas contábeis e auditoria da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), entende que as empresas não têm sabido filtrar adequadamente
o que é relevante para ser divulgado no âmbito do IFRS. "A gente percebe o
medo de errar entre auditores e empresas", disse Bezerra, que também
participou do evento.
Para ele, no
entanto, essa não é a postura adequada. "Esse é o momento de errar, por
que o regulador ainda está em uma fase educativa e de aprendizado."
De acordo com
Severini, da Vale, em algum momento as empresas terão que bater o pé e
enfrentar os auditores e, eventualmente, os reguladores. "Tem que chegar
alguém e dizer: 'Não vou divulgar porque não é relevante'. Mas para isso é
preciso coragem, uma dose de audácia que não é fácil de se ter", disse.
Segundo
André Veiga Milanez, diretor financeiro da Cetip, migrar de uma cultura baseada
na forma para uma prática sustentada pela essência exige uma mudança cultura
que não é trivial. "As próximas gerações devem contribuir para aprimorar
esse processo", afirmou ele.
Segundo
Bezerra, da CVM, como tudo no IFRS, não existe uma "receita de bolo"
que possa ser seguida por todas as empresas para tornar as notas explicativas
mais curtas e mais informativas.
Mas ele diz
que um caminho é tirar as informações repetitivas (e aquelas que apenas
reproduzem as exigências legais e as normas) e se concentrar no que é relevante
para o usuário. Nas notas que tratarem de redução ao valor recuperável de
ativos ("impairment") ou ajuste a valor presente, por exemplo, ele
diz que é fundamental que as empresas divulguem as premissas de taxas e prazos
usados para embasar determinada decisão ou resultado.
Para
Wanderley Olivetti, sócio da Deloitte, as empresas devem "customizar"
os balanços, cortando notas sobre práticas contábeis que não se aplicam ao seu
segmento de atuação e evitando a prática de copiar e colar.
Fonte: Valor
Econômico
Fonte:
Fenacon
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