O investidor-anjo e o Simples Nacional
Notícia
corrente é a sanção pelo presidente Michel Temer do Projeto de Lei da Câmara
dos Deputados nº 125, de 2015 (originalmente de autoria do deputado Barbosa
Neto, complementado pela senadora Marta Suplicy), que altera substancialmente
as regras do Simples Nacional regido pela Lei Complementar nº 123/2006.
Entre
inúmeras mudanças aprovadas, desde as que aumentarão a possibilidade de
ingresso de várias atividades e aquelas que elevarão os limites de receita
bruta anual para enquadramento no regime do Simples, interessa-nos uma de
natureza contratual com reflexos societários, à primeira vista muito benéficos.
É
a criação da figura do investidor-anjo não sócio para algumas empresas
enquadradas no regime do Simples Nacional.
Se
não tem participação societária, o investidor-anjo não terá direito de voto e
não poderá exercer a gerência da sociedade.
O
investidor-anjo é de há muito conhecido como aquele sócio com participação, em
geral minoritária, no capital social das empresas e sem ingerência direta na administração
da sociedade, com interesse em investir parte de seu patrimônio e a sua
experiência especialmente nas chamadas startups. Com o intuito, é claro, de ver
o retorno financeiro de seus investimentos.
Como
no nosso ordenamento não temos a figura do quotista preferencial nas sociedades
limitadas, que são a vasta maioria das organizações societárias das empresas de
médio e pequeno porte de nosso país, o investidor-anjo, mesmo que não tenha ele
interesse em participar da administração, acaba por ter que ingressar nas
empresas investidas na qualidade de sócio.
Mas,
o projeto de lei sancionado cria uma figura diferente: a do investidor-anjo que
não será sócio da empresa investida, desde que esteja ela enquadrada no regime
do Simples Nacional e que tenha em seu objeto social as atividades de fomento à
inovação e investimentos produtivos.
O
projeto de lei justifica a criação dessa figura, introduzindo na Lei
Complementar nº 123/2006 o artigo 61-A: “Para incentivar as atividades de
inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como
microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar,
poderá admitir o aporte de capital, que não integrará o capital social da
empresa. ”
Os
contratos firmados sob essa estrutura não poderão ter vigência superior a 7
(sete) anos, e o aporte de capital poderá ser realizado por pessoa física ou
jurídica.
O
investidor-anjo não será sócio nem poderá atuar nas atividades do objeto social
da sociedade, exclusivas dos sócios. O investimento não será aportado como
capital social nem como receita da sociedade. O projeto de lei não definiu,
contudo, a natureza contábil e financeira desse investimento. Isso seria de
grande importância, especialmente para a proteção desse investimento.
Se
não tem participação societária, o investidor-anjo não terá direito de voto e
não poderá exercer a gerência da sociedade. Assim, a conclusão óbvia é a de que
não terá que responder por dívidas da empresa investida, não podendo ser a ele
aplicada, também, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica que afasta
muitos interessados em investir, temendo os eventuais efeitos futuros de uma
responsabilização por dívidas de toda natureza (fiscal, trabalhista, cível). E
isso está no expresso texto do projeto de lei, o que não dá margens a
interpretações duvidosas, no nosso ponto de vista.
Algumas
regras que precisam ficar bem claras: o investidor-anjo será remunerado por
seus aportes, conforme contrato celebrado entre os interessados, pelo prazo
máximo de cinco; ao final de cada período, terá direito à remuneração
correspondente aos resultados distribuídos, tudo conforme contratado e desde
que não ultrapasse o limite de 50% dos lucros da sociedade investida; o direito
de resgate só pode ser exercido após decorridos dois anos do aporte de capital
e seus haveres serão pagos com base em balanço especialmente levantado (o
projeto de lei invoca para esse fim o artigo 1.031, do Código Civil), não
podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido.
Nesse
ponto, acreditamos que, em havendo disposição contratual expressa a respeito do
resgate, poderá ser dispensado o levantamento desse balanço especial.
Flexibilizações
importantes constam do projeto de lei, tais como, a possibilidade de
transferência da titularidade do aporte para terceiros, inclusive alheios à
sociedade, o que, de qualquer forma, dependerá do consentimento dos sócios se
não houver estipulação contratual diversa.
Na
hipótese de venda da empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na
aquisição, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de
capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios.
Outra
questão relevantíssima e que certamente será muito atraente para o mercado
financeiro: os fundos de investimento poderão figurar como investidores anjos.
Como
destacado na proposição do relatório do Senado que aprovou o projeto de lei,
esse mecanismo de financiamento será muito bem-vindo para o setor de tecnologia
e para as empresas inovadoras, tudo em benefício do nosso país que necessita,
em especial nesses tempos de crise econômica exacerbada, de muitos instrumentos
facilitadores e incentivadores de investimentos na indústria nacional.
Ana Cláudia Teles Silva Bloisi é sócia da De Vivo
Advocacia, especialista em direito societário pela FGV/SP
FONTE:
Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário