quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O investidor-anjo e o Simples Nacional

Notícia corrente é a sanção pelo presidente Michel Temer do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 125, de 2015 (originalmente de autoria do deputado Barbosa Neto, complementado pela senadora Marta Suplicy), que altera substancialmente as regras do Simples Nacional regido pela Lei Complementar nº 123/2006.


Entre inúmeras mudanças aprovadas, desde as que aumentarão a possibilidade de ingresso de várias atividades e aquelas que elevarão os limites de receita bruta anual para enquadramento no regime do Simples, interessa-nos uma de natureza contratual com reflexos societários, à primeira vista muito benéficos.


É a criação da figura do investidor-anjo não sócio para algumas empresas enquadradas no regime do Simples Nacional.


Se não tem participação societária, o investidor-anjo não terá direito de voto e não poderá exercer a gerência da sociedade.


O investidor-anjo é de há muito conhecido como aquele sócio com participação, em geral minoritária, no capital social das empresas e sem ingerência direta na administração da sociedade, com interesse em investir parte de seu patrimônio e a sua experiência especialmente nas chamadas startups. Com o intuito, é claro, de ver o retorno financeiro de seus investimentos.


Como no nosso ordenamento não temos a figura do quotista preferencial nas sociedades limitadas, que são a vasta maioria das organizações societárias das empresas de médio e pequeno porte de nosso país, o investidor-anjo, mesmo que não tenha ele interesse em participar da administração, acaba por ter que ingressar nas empresas investidas na qualidade de sócio.


Mas, o projeto de lei sancionado cria uma figura diferente: a do investidor-anjo que não será sócio da empresa investida, desde que esteja ela enquadrada no regime do Simples Nacional e que tenha em seu objeto social as atividades de fomento à inovação e investimentos produtivos.


O projeto de lei justifica a criação dessa figura, introduzindo na Lei Complementar nº 123/2006 o artigo 61-A: “Para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar, poderá admitir o aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa. ”


Os contratos firmados sob essa estrutura não poderão ter vigência superior a 7 (sete) anos, e o aporte de capital poderá ser realizado por pessoa física ou jurídica.


O investidor-anjo não será sócio nem poderá atuar nas atividades do objeto social da sociedade, exclusivas dos sócios. O investimento não será aportado como capital social nem como receita da sociedade. O projeto de lei não definiu, contudo, a natureza contábil e financeira desse investimento. Isso seria de grande importância, especialmente para a proteção desse investimento.


Se não tem participação societária, o investidor-anjo não terá direito de voto e não poderá exercer a gerência da sociedade. Assim, a conclusão óbvia é a de que não terá que responder por dívidas da empresa investida, não podendo ser a ele aplicada, também, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica que afasta muitos interessados em investir, temendo os eventuais efeitos futuros de uma responsabilização por dívidas de toda natureza (fiscal, trabalhista, cível). E isso está no expresso texto do projeto de lei, o que não dá margens a interpretações duvidosas, no nosso ponto de vista.


Algumas regras que precisam ficar bem claras: o investidor-anjo será remunerado por seus aportes, conforme contrato celebrado entre os interessados, pelo prazo máximo de cinco; ao final de cada período, terá direito à remuneração correspondente aos resultados distribuídos, tudo conforme contratado e desde que não ultrapasse o limite de 50% dos lucros da sociedade investida; o direito de resgate só pode ser exercido após decorridos dois anos do aporte de capital e seus haveres serão pagos com base em balanço especialmente levantado (o projeto de lei invoca para esse fim o artigo 1.031, do Código Civil), não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido.


Nesse ponto, acreditamos que, em havendo disposição contratual expressa a respeito do resgate, poderá ser dispensado o levantamento desse balanço especial.


Flexibilizações importantes constam do projeto de lei, tais como, a possibilidade de transferência da titularidade do aporte para terceiros, inclusive alheios à sociedade, o que, de qualquer forma, dependerá do consentimento dos sócios se não houver estipulação contratual diversa.


Na hipótese de venda da empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios.


Outra questão relevantíssima e que certamente será muito atraente para o mercado financeiro: os fundos de investimento poderão figurar como investidores anjos.


Como destacado na proposição do relatório do Senado que aprovou o projeto de lei, esse mecanismo de financiamento será muito bem-vindo para o setor de tecnologia e para as empresas inovadoras, tudo em benefício do nosso país que necessita, em especial nesses tempos de crise econômica exacerbada, de muitos instrumentos facilitadores e incentivadores de investimentos na indústria nacional.


Ana Cláudia Teles Silva Bloisi é sócia da De Vivo Advocacia, especialista em direito societário pela FGV/SP


FONTE: Valor Econômico


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