Nova lei desobriga salão de
beleza a contratar profissionais como CLT
Lei
legaliza contratação de manicure e cabeleireiro como autônomo e pagamento por
comissão; medida é reforma trabalhista fatiada, diz especialista.
Autor: Darlan Alvarenga e Marta CavalliniFonte: G1 -
GloboLink: http://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/nova-lei-desobriga-salao-de-beleza-a-contratar-profissionais-como-clt.ghtml
A chamada "Lei do Salão
Parceiro" passa a regulamentar uma prática bem conhecida do setor de
beleza: a atuação de profissionais que trabalham como autônomos dentro de
estabelecimentos e que são remunerados por comissão e não necessariamente por
salários. O projeto de lei que desobriga a contratação de profissionais de
beleza no regime CLT foi sancionado nesta quinta-feira (27) pelo presidente da
República, Michel Temer.
A mudança é anunciada como o
reconhecimento de um modelo de trabalho já amplamente utilizado nos salões de
beleza e um incentivo à regularização ou formalização de um setor que reúne
cerca de 2 milhões de profissionais.
Pela lei, os salões de beleza poderão
firmar contratos de parceria com profissionais cabeleireiros, barbeiros, esteticistas,
manicures, depiladores e maquiadores, que atuarão como autônomos, sem vínculo
empregatício. Os demais empregados dos salões continuam com contratos CLT. O
texto de lei aprovado pelo Congresso cria as figuras do salão-parceiro e do
profissional-parceiro, que poderá atuar como microempresa ou microempreendedor
individual (MEI).
Donos de salões de beleza consideram
a nova lei uma avanço na medida em estabelece direitos e obrigações de ambas as
partes, incentiva o empreendedorismo e garante maior segurança jurídica para um
setor no qual o modelo de parceria já é uma realidade.
Atualmente, mais de 630 mil
profissionais do setor de beleza atuam como MEI. O número de trabalhadores com
carteira assinada é baixo. Segundo dados do Ministério do Trabalho, no final de
2015 o país reunia apenas 66.508 cabeleireiros, manicures e pedicures
celetistas. De acordo com entidades que representam a indústria de beleza,
estimam que o setor emprega 2 milhões de pessoas.
Cássio Gomes, de 50 anos, trabalha há
3 anos em um salão no qual os seis cabeleireiros e as duas manicures são
microempreendedores individuais, ou seja, eles já estariam adequados à nova
regra. Há 15 anos atuando como cabeleireiro, ele só se tornou MEI nesse salão,
porque nos demais ele trabalhava por conta própria, sem se formalizar como
autônomo. “Eu nunca tive carteira assinada, sempre paguei o INSS e meu plano de
saúde, então para mim é normal não haver vínculo com os salões”, diz.
Gomes diz que os cabeleireiros pagam
para o administrador do salão 50% do valor de cada corte e 60% de comissão
quando é feito tratamento químico nos cabelos. Já as manicures pagam “uma mão”
e “um pé” feitos por dia.
E cada profissional tem sua própria
máquina de cartão, além de ser responsável pelos próprios produtos usados. O
administrador do salão cuida dos pagamentos do aluguel do ponto, além das
contas de água e luz, e da manutenção do local.
Gomes diz que um dos pontos positivos
é que cada um tem a liberdade de fazer seu próprio horário. No entanto, a renda
varia de mês a mês, já que depende do número de atendimentos. “Mas é difícil
hoje em dia um salão ter profissionais por CLT, então a gente está acostumado”,
afirma.
Opiniões divergentes
Entidades patronais como da
Associação Brasileira de Salões de Beleza (ABSB) e o Sindibeleza (Sindicato dos
Salões de Beleza do Estado de São Paulo) afirmam que o modelo de parceria
permite oferecer comissões mais elevadas do que as praticadas para
profissionais contratados no regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e é
considerado mais vantajoso pelos próprios profissionais.
Segundo dados da Associação Nacional
do Comércio de Artigos de Higiene Pessoal e Beleza (Anabel), os donos dos
salões de beleza costumam repassar aos profissionais entre 30% e 60% do valor
dos serviços prestados, percentual bem superior ao de outras categorias.
O sistema de parceria, entretanto,
não é consenso no setor. Sindicatos e parte dos profissionais temem a
precarização das relações de trabalho e perda de direitos trabalhistas. Há quem
critique também a lei por legalizar e incentivar a "pejotização"
(transformação do trabalhador em pessoa jurídica), abrindo espaço para a
flexibilização dos direitos trabalhistas e precedentes para expandir o modelo
para outros setores.
Sebrae apoia mudança
Para o Sebrae (Serviço de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas), a lei traz segurança jurídica para um modelo de
negócio que é praticado na grande maioria dos salões de beleza do país.
"Há diversas decisões na Justiça do Trabalho que reconhecem a relação de
parceria e afastam o vínculo empregatício. Trata-se de uma evolução natural do
setor, que cabe ser respeitada. Não haverá precarização na relação de emprego,
tendo em vista que a própria Justiça do Trabalho reconhece essa forma de
prestação de serviço", disse a entidade, em comunicado.
A Associação Brasileira de Salões de
Beleza (ABSB) afirma que a nova lei ajudará a regularizar a mão de obra que
atua no setor e a acabar com a prática de pagamento "por fora" a
profissionais celetistas registrados por um valor mínimo.
“O modelo atual é insustentável. Todo
celetista em salão de beleza que hoje ganha 50% de comissão, vai receber por
fora. Essa relação está fraudada", afirma José Augusto Nascimento Santos,
presidente da ABSB. “Queremos regularizar uma relação de uso e costumes que não
cabe com registro em carteira. Nesse setor, é uma relação totalmente diferente.
Quem fideliza é o profissional, não é o salão”.
Os donos de salões destacam ainda que
não haverá imposição de transição para este modelo, uma vez que a lei permite a
contratação em ambos os regimes, celetista e por parceira. "A maioria do
quadro nos salões de beleza é celetista. Todo o pessoal de suporte,
recepcionistas e estoquistas são celetistas e continuarão a ser", diz
Santos.
Dúvidas sobre estabilidade financeira
A depiladora Bruna Ziliani, de 21
anos, trabalha há 1 ano e meio com carteira assinada em uma empresa
especializada em depilação, com todos os direitos trabalhistas previstos, como
13º salário, férias e FGTS, além de plano de saúde. Assim como ela, todas as
demais depiladoras são celetistas, incluindo as recepcionistas. “A CLT dá
segurança, eu posso fazer uma dívida porque sei que vou ter salário fixo todo
mês para pagar”, diz.
Segundo ela, além da remuneração,
cada depiladora recebe 4% em cima de cada atendimento feito. Mas é o salário
que segura a maior parte da renda mensal. “As comissões que recebo dão no
máximo 50% do salário porque dependem dos atendimentos, e tem dias que é muito
fraco o movimento”, conta.
Por ter contrato de trabalho formal,
Bruna tem jornada de 9 horas, com horário fixo de entrada e saída, com 1 hora
de almoço. “Com essa nova lei, se eu passasse a ser microempresária, iria gerar
uma instabilidade financeira muito grande, pois cada mês eu iria ter uma renda
diferente e com certeza teria de trabalhar em mais lugares. E em um dia que eu
tenho poucas clientes eu sei que no fim das contas eu tenho o salário fixo pra
segurar”, afirma.
O regime de parceria garante que o
profissional seja um assegurado da Previdência Social, mediante a obrigação de
recolhimento de impostos e encargos. Pela lei, ficará a cargo do salão-parceiro
reter e recolher os tributos e contribuições sociais e previdenciárias do
profissional-parceiro.
Para valer, o contrato precisará ser
homologado pelo sindicato da categoria profissional e laboral ou, na ausência
desses, pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego.
'Estão rasgando a CLT'
A Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh), entidade que também
representa os trabalhadores do setor de beleza, realizou nesta semana protestos
contra a sanção da lei e diz que entrará na Justiça com uma ação questionando a
constitucionalidade da mudança.
"O que vai acontecer é que
dentro de um salão vai ter 5, 10 empresas em vez de funcionárias do salão, e
todos PJ, sem direito a 13º salário, férias e garantias trabalhistas",
critica. "Qual é o empresário, dono de salão que vai querer ter os
encargos trabalhistas e a responsabilidade pelos seus funcionários sendo que
ele pode transferir isso para o profissional?”
Para a confederação, trata-se de uma
flexibilização das relações de trabalho que traz ameaças à garantias e direitos
constitucionais. “Estão rasgando a CLT, o artigo 8º da Constituição, para
pejotizar tudo", afirma Moacyr Roberto Tesch Auersvald, presidente da
Contratuh. “Se abrir para os salões, vai abrir a possibilidade de abrir para o
metalúrgico, jornalista, enfermeiros, garçons. Se isso pegar, não precisa nem
de reforma trabalhista, jogamos a CLT fora”, continua.
'Precedente perigoso'
Para o juiz Germano Siqueira,
presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(Anamatra), a lei é equivocada e precariza as relações trabalhistas.
“A lei é equivocada porque está
partindo do pressuposto que a realidade é uma só. Cria a ideia de que só existe
o salão parceiro e o profissional", diz o magistrado, destacando em que há
situações em que há flagrante relação de trabalho e emprego.
Segundo Siqueira, a lei abre um
"precedente perigoso" ao "banalizar" relações mais frouxas
e "fora da proteção da Constituição federal". "A segurança
jurídica pode ser também a insegurança a desproteção".
Ele explica que para ser considerado
um contrato de parceria, os profissionais não podem ser submetidos às mesmas
regras dos empregados com registro em carteira. “Se tiver que cumprir jornada
de trabalho, receber ordens, principalmente estes dois pontos, e isto ficar
provado, ele será um empregado”, alerta.
Reforma trabalhista em fatias
A advogada Juliana de Oliveira
Afonso, do escritório Yamazaki, Calazans e Vieira Dias, vê espaço para
questionamentos sobre a constitucionalidade da lei, mas destaca que o TST tem
se manifestado a favor de uma maior flexibilização em relações trabalhistas
deste tipo.
“Em uma ação movida por uma manicure,
o Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi bem favorável à empresa no sentido de
dizer que não é funcionário, é um prestador de serviços”, afirma a advogada.
Ela também considera positivo medidas
de flexibilização de relações trabalhistas específicas para cada setor, sem
necessariamente envolver uma reforma trabalhista geral.
“O fatiamento é positivo, porque a
partir do momento que você vê cada categoria individualizada, você consegue solucionar
individualmente os problemas de cada setor”, afirma.
O envio de uma proposta de reforma
trabalhista ao Congresso deixou de ser tratado como prioridade pelo governo do
presidente Temer, e a previsão é que fique só para o segundo semestre de 2017.
O ministro da Casa Civil, Eliseu
Padilha, passou a minimizar o adiamento das discussões sobre mudanças na
legislação trabalhista. Segundo ele, a reforma trabalhista já estaria
acontecendo "praticamente ao natural", uma vez que o Tribunal Superior
do Trabalho (TST) já aprovou a questão do chamado acordado sobre o legislado e
que há projetos sobre terceirização prontos para serem votados – um na Câmara e
outro no Senado. "Com esses dois itens, se resolveria muito daquilo que a
gente está sonhando fazer", disse.