O
fisco quer informação mensal sobre estoques a partir de 2016
O controle do estoque já é exigido pelo fisco há
décadas, desde o surgimento do ICMS e do IPI
Fátima Fernandes
Uma indústria que produz cadeiras precisa de rodinhas, espuma,
plásticos, tecidos. A partir de janeiro de 2016, todo esse material em
estoque terá de ser informado mensalmente ao fisco por meio do SPED
(Sistema Público de Escrituração Digital) Fiscal.
O detalhamento de informações sobre a produção e o estoque, para
cálculos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e IPI
(Imposto sobre Produtos Industrializados), o chamado bloco K do SPED, vai valer
para todos os setores da indústria e do atacado.
E o acompanhamento ocorrerá desde a aprovação de uma ordem de produção,
passando pela compra de matérias-primas, consumo de insumos, quantidade de
produtos fabricados, produção em andamento, além de perda e sobras a cada mês.
“Essa obrigatoriedade nada mais é do que a ampliação do poder das lentes
do fisco sobre as operações das empresas. A cada ano o fisco aperfeiçoa a
fotografia do contribuinte, que ganha mais pixels”, afirma Antonio Carlos
de Moura Campos, consultor tributário.
O controle do estoque já é exigido pelo fisco há décadas, desde o
surgimento do ICMS e do IPI. Sucede que tal controle é feito em um livro de
registro fiscal das empresas, uma espécie de extrato de conta corrente. Neste
caso, para que o fisco acompanhe a movimentação da indústria ou de um atacado,
precisa deslocar um fiscal até a empresa.
Agora, vai ser obrigatório o envio dessas informações por meio digital -
e mensalmente. "Quem não enviar estará sujeito a penalidades, afirma
Welinton Mota, diretor da consultoria Confirp, especializada em
serviços nas áreas contábil, fiscal, tributária e trabalhista. "É uma
mudança cultural."
O bloco K tem se mostrado extremamente complexo, mesmo sendo uma
obrigação antiga. “O que ocorre é que pouquíssimas empresas cumpriam essa
determinação, por não ser exigido o livro de registro de estoques. Agora, como
o SPED Fiscal cruza e checa todas as informações, não será mais possível essa
omissão”, afirma.
Até agora, segundo ele, ainda não havia penalidade específica para
o não envio das informações sobre estoques, exceto uma penalidade
genérica, que é de 6 UFESPs (R$ 21,25), por livro com falta de informações.
“Pode ser que ainda seja editada alguma norma específica”, diz Mota.
Pode parecer uma mudança simples, mas detalhar as informações de estoque
por meio do SPED tem tirado o sono das empresas, principalmente de pequenas e
médias. É que isso exige investimento em softwares para controle de processos
das empresas, além de treinamento e até contratação de funcionários.
Com cerca de 800 clientes no país, a Dataplace,especializada em software
de gestão empresarial, sente os efeitos dessa preocupação : nos últimos
oito meses, sua carteira de clientes aumentou 10%. “Os empresários estão
desesperados”, afirma Luis André Garavaso, diretor comercial da Dataplace.
Hoje, os inventários de estoques são declarados pelas empresas
anualmente. A empresa informa, por exemplo, que terminou o ano com R$ 1 milhão
de estoque. "Agora vai ter de detalhar o quanto tem de matéria-prima, sub
produtos, componentes. É uma grande mudança”, diz.
A Dataplace fornece sistema de gestão empresarial com pacotes de
projetos que podem custar de R$ 70 mil a R$ 500 mil. A instalação do software e
a implantação do sistema demoram mais ou menos uns três meses.
“A empresa tem de controlar compra, venda, contas a pagar e a receber,
recebimento de material, estoque de matéria prima, produto final. E para tudo
isso precisa de planejamento, controle de produção e pessoal treinado”, diz
Garavaso.
Atacadistas ouvidos pelo Diário do
Comércio disseram desconhecer a exigência do fisco para controle de
estoques por meio do SPED. Arinos de Almeida Barros, vice-presidente do
Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuário e Armarinho do Estado de
São Paulo, que representa 3 mil atacadistas paulistas, e diretor do Comércio de
Tecidos Moraes Machado, diz que, hoje, meia dúzia de empresas do setor
têm algum controle de estoque.
“Veja meu caso: trabalho com cerca de 5 mil itens. Se tiver de ter o
controle de item por item que está na minha loja, será melhor alugar este
prédio aqui na Rua 25 de Março, de 300 metros quadrados, e ganhar R$ 30 mil por
mês”, afirma.
A retração de consumo tem exigido dos atacadistas, segundo Almeida
Barros, muita habilidade para tocar o negócio. O Comércio de Tecidos Moraes
Machado, fundado em 1868, chegou a ter 22 lojas nos Estados de São Paulo, Minas
Gerais, Goiás. Hoje, tem uma.
“E isso porque o prédio é meu. Nosso setor não tem condições de arcar
com mais custos”, afirma Almeida Barros, que trabalha há 50 anos na loja.
Vizinhos de Almeida Barros, os atacadistas Armarinhos Fernando e Cássia
Nahas (tecidos) também não estão preparados para atender a nova medida do
fisco.
“Eu já ouvi falar sobre isso. O que dá para dizer é que, no caso de peça
fechada de tecido, vai ser mais fácil controlar. Só que também abrimos as peças
para vender metragens menores. Vamos precisar de mais funcionários para fazer
todo esse controle num período em que as vendas caíram de 20% a 30% neste ano”,
diz Romeu Curi Cássia, diretor superintendente da Tecido Cássia Nahas.
Curi Cássia diz que a sua empresa “está tentando se adaptar à nova
realidade, comprando menos produtos: "E temos de ter sempre algo diferente
para atrair a clientela mais cautelosa, um jogo difícil de praticar, mas
necessário.”
Desde a publicação da norma, a ITAG, empresa fornecedora das chamadas
etiquetas inteligentes (identificação por rádio frequencia), fechou contrato
com cerca de 17 empresas do setor de vestuário, interessadas em colocar as
etiquetas em seus produtos para melhor controle dos estoques.
“Os empresários estão de cabelo em pé”, afirma Sérgio
Gambim, presidente da ITAG. Com faturamento de R$ 4 milhões, a ITAG prevê
aumento 30% no faturamento deste ano devido à necessidade de as empresas
controlarem os estoques. Atualmente, os principais clientes são da indústria de
jeans e do varejo de camisas, roupas infantis e jóias.
A etiqueta, segundo Gambim, permite o controle total dos estoques:
“Os estabelecimentos comerciais vão precisar elencar os seus produtos
por tamanho e cor, e o fisco vai fiscalizar a fundo o estoque das empresas,
conhecendo o processo produtivo de cada uma. Quem não estiver em dia com os
seus inventários poderá ser configurado como sonegação fiscal”.
A Brascol, atacadista de roupas de bebê e infanto juvenil, começou a
utilizar as etiquetas há um ano. Conseguiu reduzir os check outs e as pessoas
envolvidas no processo e dobrou a capacidade de passar as mercadorias para
entrega aos lojistas, de 35 mil para 70 mil itens por dia.
“NORMA ULTRAPASSA LIMITES”
“A obrigatoriedade de detalhamento das informações de produção e estoque
para o fisco aumenta o poder de fiscalização sobre as
empresas" afirma Jarbas Andrade Machioni, presidente da Comissão de
Direito Tributário da OAB - SP. "Isso não é ilegal, mas pode ser
proibitivo para alguns contribuintes. É possível que surjam ações contra o
Estado.”
Na sua avaliação, todos esses procedimentos demandam tempo de
planejamento, investimentos em equipamentos, qualidade de linhas de
transmissão, o que nem sempre um pequeno atacadista possui. “Tudo isso é
custo”, afirma Machioni.
Aperfeiçoar o controle do contribuinte faz parte, segundo ele, do dia a
dia das Secretarias de Fazenda estaduais e da Receita Federal. “Neste caso, o
fisco pode estar ultrapassando o limite, desprezando a capacidade e as
condições do contribuinte. A economia está incerta. Há erros graves na condução
da política econômica. Essas medidas são opressoras. O contribuinte precisa ter
uma posição firme perante o fisco”, diz.
As empresas instaladas no interior, especialmente em cidades pequenas,
podem não estar preparadas para ter de arcar com mais essa obrigação tributária,
diz Marchioni. “Não adianta ficar em um gabinete num grande centro
estabelecendo normas, e não olhar para fora do país”.
Fonte: Diário do
Comércio
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