SPED e lucro presumido:
adiaram o "Big Bang"
O Sistema
Público de Escrituração Digital é um projeto positivo para a nação e não pode
ser tratado de qualquer forma, mas com seriedade.
Roberto Dias
Duarte
A
racionalidade não é um atributo muito usual quando os interesses de quem
arrecada se sobrepõem aos de quem recolhe impostos. Basicamente, este é o
modelo fiscal brasileiro, no qual se costuma tratar doenças graves com
analgésicos. E ele preponderou na mais recente prorrogação – de julho agora
para janeiro de 2013 – no início previsto para o projeto EFD-Contribuições
envolvendo as empresas do Lucro Presumido.
Seria uma ótima notícia
para as empresas e para os escritórios contábeis se tal procedimento tivesse o efeito
de ajudar, e não funcionasse como um paliativo a uma situação que ficará
insustentável nos próximos meses. E não adianta novamente postergar a data uma
ou mais vezes, pois as cerca de 1,5 milhão de empresas do Lucro Presumido certamente terão de
enfrentar um “Big Bang” do SPED.
O Sistema
Público de Escrituração Digital é um projeto positivo para a nação e não pode
ser tratado de qualquer forma, mas com seriedade. A sistemática acelera a
transição da sociedade analógica para a digital, onde valores como o
conhecimento e a ética sobressaem sobre o capitalismo industrial clássico.
Neste novo mundo, ideias colocadas em ação valem mais que terra, máquinas e
bens físicos.
O segundo
grande benefício dessa nova ordem é potencializar o combate à economia
invisível, que segundo estudo recente da Fundação Getúlio Vargas, passa dos R$
660 bi anuais, disseminando corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico,
contrabando, crime organizado e outras mazelas.
Ao manter
informações financeiras, contábeis, comerciais, tributárias e operacionais das
empresas em um gigantesco banco de dados, as autoridades fiscais elevam
significativamente a percepção de risco dos contribuintes, reduzindo assim a
diferença entre a arrecadação real e a potencial.
Também é
positivo para as empresas que já compreenderam os paradigmas digitais, a NF-e,
aEscrituração Contábil Digital e a Escrituração Fiscal Digital tornaram-se
aliadas no processoempreendedor de redução de custos e riscos.
No entanto,
aquelas cujos líderes ainda se mantêm arraigados aos conceitos do século XX,
encaram o SPED somente como um aumento de custo e “dor de cabeça”. Estes
últimos normalmente não se envolvem no assunto e “delegam” as responsabilidades
desta grande transformação empresarial aos contabilistas ou profissionais de
tecnologia da informação. Mal sabem o tamanho da oportunidade que estão
perdendo.
Independentemente disso
tudo, a norma que instituiu a EFD-Contribuições foi alterada seis vezes em 24
meses, e é regulada por 75 leis ordinárias e complementares, além de centenas de decretos,
portarias, instruções normativas, atos declaratórios, soluções de consulta e de
divergência.
Boa parte de
todo esse arcabouço normativo é confuso, complexo e contraditório, com diversas
decisões administrativas e judiciais incompatíveis.
Portanto, sem software de
gestão (ERP) e pessoal capacitado, as micro e pequenas empresas, juntamente com
seus contadores, falharão nesta empreitada, seja ela guindada à condição de
obrigatória amanhã ou daqui a seis meses.
A realidade
nua e crua é que menos de 300 mil empresas brasileiras (incluindo as grandes
corporações) já implantaram algum tipo de ERP. A maioria das que entrarão na obrigatoriedade
da EFD-Contribuições sequer sabe o que é isto.
Uma medida
racional, sem dúvida, seria estabelecer um cronograma distribuído pelos
próximos quatro anos, incluindo em oito etapas semestrais as empresas conforme
seu faturamento. Isto seria suficiente para empreendedores e organizações
contábeis descobrirem um “modelo de gestão de terceiro milênio”.
Medidas paliativas como
adiamentos não resolvem o principal problema: o período de adaptação no relacionamento
empresa/organização contábil, que deve ser gradual, porém consistente. A
primeira etapa deste processo sequer foi iniciada. Os empreendedores ainda não
foram sensibilizados com relação às suas responsabilidades, muito menos sobre a
necessidade de melhor organização e controle gerencial.
É impossível
queimar etapas. Ilusão pensar que fazer mais rápido é sinônimo de mais eficaz.
Em mudanças organizacionais e comportamentais, pular a etapa de sensibilização,
convencimento é assinar o atestado de óbito do projeto. Qualquer consultor
júnior de empresas de consultoria sabe disto. O que leva alguém, em sã
consciência, a crer que com o SPED seria diferente?
Jamais
poderemos esquecer que, por mais positivo que o SPED seja, ele foi criado, e é
mantido, por seres humanos – não semideuses. Pessoas erram, seja qual for sua
posição, cargo ou função.
A EFD-Contribuições nasceu
prematura, antes da “higienização” regulatória, antes que fosse estancada a
legislorragia tributária do PIS, Cofins e Contribuições Previdenciárias. Agora
cresce de forma desgovernada.
O SPED foi
concebido há poucos anos, e como filho pequeno e em desenvolvimento, precisa de
atenção 24 horas. A sistemática nasceu saudável e, inegavelmente, adoeceu. O
problema é tão grave, o nó é tão apertado, que, com o início do projeto da
EFD-Contribuições, o SPED corre um sério risco de desgastar ainda mais a relação
de empresários e organizações contábeis com o fisco.
Não que
corra o risco de acabar enquanto aprimoramento da tecnologia fiscalizatória –
longe disto. Mas
parece que a autoridade tributária federal perdeu o interesse na construção
coletiva de um Brasil mais eficiente.
02 SPED e
lucro presumido: adiaram o Big Bang | Spedito
Fonte:
robertodiasduarte.com.br
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